A Guerra do Contestado


Desde a metade do século XVII já havia uma disputa entre os estados de Santa Catarina e Paraná, uma vez que não havia acordo sobre o local onde deveria se situar a fronteira entre os dois estados. A questão envolvia uma área de terras de aproximadamente 48 000 km² de grande importância social e econômica tanto para o Paraná quanto para Santa Catarina. Essa disputa de limites ficou conhecida como a Questão do Contestado.

A organização de movimentos religiosos, seguidos por centenas e até por milhares de fiéis, como o que aconteceu no nordeste brasileiro e resultou na Guerra de Canudos, também aconteceu no sul do Brasil, principalmente entre 1912 e 1916. Isso ocorreu na região que recebeu o nome de Contestado, por ter se tornado alvo de disputa entre Paraná e Santa Catarina.

No século XVIII foi aberto o “caminho do Sul”, que ligava o Rio Grande do Sul à cidade de Sorocaba, em São Paulo, por onde era conduzido o gado e passavam as tropas de mulas que transportavam couro e charque até a feira de animais. Apesar da vegetação densa e do inverno rigoroso, as regiões ao longo desse caminho atraíram muita gente de outras partes do país que foram desenvolvendo vilas e povoados, que se expandiram em razão da pecuária e do cultivo da erva-mate.

No início, os recém-chegados construíam suas casas e criavam gado em campos cercados, devido às disputas pela terra entre as famílias. Com a formação de grandes fazendas, foi se estabelecendo o sistema de apadrinhamento e comando dos senhores locais com a ajuda de capangas e peões, como acontecia nos outros estados brasileiros.



O desmembramento da província do Paraná da província de São Paulo, em 1853, tornou o território paranaense autônomo, mas as divisas entre Paraná e Santa Catarina nunca foram bem definidas, gerando conflitos sobre os limites territoriais entre esses estados.

A partir de 1850, o Brasil havia entrado num processo de modernização dos transportes, das comunicações e da infraestrutura das cidades. Todo esse processo foi financiado por capital estrangeiro, principalmente inglês e norte-americano.

Em 1908, o governo federal do presidente Afonso Pena (1906-1910) cedeu uma faixa de terra de 30 quilômetros de largura ao longo de quatro estados para a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande pela empresa norte-americana Brazil Railway Company.

Essa empresa pertencia ao multimilionário Percival Farquhar, que instalou a Southern Brazil Lumber and Colonization Co., cujo objetivo era extrair madeira da região para comercializá-la no Brasil e no exterior. A empresa ganhou também o direito de revender os terrenos desapropriados às margens da estrada de ferro, que seriam vendidos preferencialmente aos imigrantes estrangeiros que formavam suas colônias no sul do Brasil.




Mapa da Guerra do Contestado (1912-1916)

Mapa da Guerra do Contestado (1912-1916)

Mapa da Guerra do Contestado (1912-1916)

Mapa da Guerra do Contestado – Imagem em Alta Resolução




A região nas proximidades do local onde seria construída a ferrovia foi, então, desapropriada e os posseiros que nela viviam foram expulsos. Para acelerar as obras da construção, visando à inauguração da estrada no ano previsto (1910), a empresa passou a contratar trabalhadores em outros estados, chegando a ter oito mil funcionários. A serraria da Lumber, instalada em Três Barras (SC), por exemplo, era o maior empreendimento madeireiro de toda a América do Sul.

Com a finalização da obra, a maior parte desses trabalhadores foi dispensada. Sem ter como retornar ao seu estado de origem, passaram a se instalar nas proximidades, gerando tensões sociais e políticas na região.

Oprimidos pelos grandes fazendeiros e expulsos de suas terras, os trabalhadores passaram a buscar consolo seguindo a palavra de beatos, que os guiariam para um novo tipo de vida.

Entre os diversos místicos que percorriam o interior do país, como curandeiros dotados de poderes, estava João Maria de Agostini, também chamado João Maria de Santo Agostinho. Vindo de Sorocaba, o “profeta” percorreu os mesmos caminhos dos tropeiros. Por meio de suas pregações, anunciava a vinda do Messias e se propunha a conduzir todos que o seguissem para a salvação.



Seguindo o exemplo de João Maria surgiram outros beatos, que aproveitando sua fama, iniciaram também as suas pregações. Por volta de 1910, o monge José Maria conseguiu concentrar grande número de seguidores para construir na Terra a chamada Monarquia Celeste, onde seria extinta a República e teria início um tempo melhor para o seu povo.

Esse monge, cujo verdadeiro nome era Miguel Lucena de Boaventura, adquiriu a fama de curador e homem santo por intermédio de suas pregações. Após se estabelecer no arraial de Taquaraçu, em Santa Catarina, organizou o chamado “Quadro Santo”, comunidade onde todos viveriam como irmãos, com propriedade comum e comércio proibido e punido com a pena de morte.

Como era de se esperar, a concentração de sertanejos em torno do monge causou choques entre os chefes políticos locais e a empresa americana instalada na região, gerando muitos conflitos.

Sucessivamente, foram organizadas expedições de tropas oficiais visando dispersar o grupo de seguidores. O monge José Maria morreu no início do conflito, mas em 1913 foi organizada uma nova comunidade com 3 000 crentes e, nos anos seguintes, apesar da repressão das tropas do Exército da Força Pública de Santa Catarina, a luta pela posse da terra envolveu milhares de soldados e milhares de sertanejos, numa operação de destruição de várias “Vilas Santas”, sendo usados equipamentos modernos e até aviões de bombardeio.

Com o apoio do Presidente da República, Wenceslau Braz, foi estabelecido que a região do Contestado deveria ser dividida em duas partes: o Paraná ficaria com, aproximadamente, 20 000 km² e Santa Catarina com 28 000 km². Desse modo, o acordo de 1916 trouxe para Santa Catarina um aumento de população e de território, dando-se assim a definitiva configuração do território catarinense.




Cultivo da erva-mate em estufa

 Cultivo da erva-mate em estufa

Cultivo da erva-mate em estufa. O hábito de tomar chimarrão, bebida preparada com a erva-mate e água fervente, sem açúcar, servida na cuia e sorvida por um canudo também chamado de bomba é, talvez, um dos costumes mais populares nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Cultivo da erva-mate em estufa – Imagem em Alta Resolução






Glossário


Erva-mate: é obtida da infusão das folhas secas e pisadas da árvore de mesmo nome cuja altura varia entre 4 e 12 metros. Foram provavelmente os índios guaranis da região dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai os primeiros a fazer a infusão das folhas para obter a bebida. Ainda hoje é uma bebida bastante popular nessa região, consumida como chá quente ou gelado ou como chimarrão (cuia, bomba, erva-mate e água).




 A Guerra do Contestado (SC)